Aqueles que se consideram liberais ou mostram tendências mais liberais no que às suas escolhas pessoais concerne deparam diariamente com uma realidade aterradora. Sim, aterradora porque as contradições e regras em que a sociedade nos mergulha a todos são quase um filme de terror. Muitas vezes damos por nós a pensar se não será Hitchcock quem puxa os cordelinhos por trás...
Mas vamos por partes e comecemos pelo mais simples:
1) Quem se arrisca a pensar e a viver de forma diferente, criando as suas próprias regras, vê-se inundado com críticas. Desde o prosaico "Ai que irão pensar os vizinhos?" até ao infame "És um depravado, um doente...".
Desde sempre, qualquer que seja o tema em questão, que a condenação e a perseguição constituíram o maior estigma ao livre pensamento. E se a questão for de âmbito pessoal, então as coisas pioram ainda mais...
Num país onde o desporto nacional é a 'quadrilhice' (não, não é o futebol, que esse só alimenta a imaginação de alguns milhões), tudo o que diga respeito à vida alheia é motivo de falatório, de debate e por último de condenação em praça pública. E tudo isto sem o mais leve pudor ou sentido de justiça, porque o que interessa é mesmo falar.
Se a vizinha ou o vizinho levam uma vida pouco 'ortodoxa' então são tarados, devassos, drogados ou em última análise possuídos pelo Diabo.
O bom e velho Belzebu arranja sempre maneira de aparecer nestas coisas, ao contrário do mais que divino livre-arbítrio, esse sim de louvar. Porque desde sempre a espécie humana teve a tendência de denegrir quem é diferente para se aumentar, tamanha é a fobia da pequenez e do ser diferente, único.
E viva a carneirada!
2) Perante um tal quadro, damos por nós a reflectir sobre muitas coisas. É uma actividade perigosa, que consome energia e tempo (e segundo alguns especialistas até pode matar as células cerebrais mais preguiçosas, extenuadas e afogadas em gordura por falta de uso...), mas que por vezes, só por ténues vezes, produz resultados palpáveis. E a inquietação que provoca não nos deixa muitas vezes descansar.
Mas enfim, continuamos a fazer o mesmo...
Foi nestas deambulações que nos perdemos e nos encontrámos. Foi destes pensamentos que a semente germinou e cresceu, e foi por causa destas reflexões que largámos as amarras das convenções.
Para a sociedade, o liberalismo sexual é uma aberração, algo contra-natura, que viola a boa-ordem social e provoca perturbação. Nunca a prática sexual partilhada com outros poderá ser vista como algo normal numa sociedade para a qual a sexualidade foi e ainda continua a ser um tabu, escondido qual gato com o rabo de fora.
E no entanto, falamos da mesma sociedade para a qual o adultério é algo banalizado, divulgado e agora até despenalizado (com a morte do divórcio litigioso desaparecem a culpa e a responsabilização no casamento...); da mesma sociedade que nada fez durante anos e que olhou para o lado quando membros proeminentes da mesma foram acusados de abusar de menores e que ainda hoje, sabendo das graves consequências de se fingir cega, continua a aceitar que muitos dos que deveriam proteger a vida a todo o custo a corrompam impunemente.
E ainda apregoam que a Justiça é cega...
Desde a recente despenalização do adultério até à criação de festas de celebração do divórcio, já nada nos espanta. Pelo menos já vamos deixando algumas miragens para os oásis e permitindo a felicidade de cada um com ou sem companhia!
Vai uma festa para comemorar um divórcio?
O único pormenor que nos espanta é a desfaçatez de quem em seguida apelida os sexualmente liberais de tarados. E nem vale a pena comentar a pedofilia e pornografia infantil, porque continuamos a criar as condições de desamparo social e aliciamento fácil que promovem a sua proliferação. A sua criminalização não avançou assim tanto que a consiga parar ou retardar sequer...
Deixemos as crianças ser crianças!
E quem for adulto que se porte como tal...
Pelo passado nada podemos fazer, mas pelo menos lutemos pelo presente de modo a termos futuro!!!
4) Continuamos a ver exemplos de total laxismo social e não vemos verdadeiras medidas de fundo que contribuam para a resolução do problema. A prostituição é o parente pobre da agenda social, tantas vezes falada e tantas vezes esquecida, mas aceite e procurada por todos, dos mais ricos aos mais pobres, chegando a ter-se pensões de 'meninas' paredes-meias com esquadras...
Os agentes da ordem também precisam de relaxar, ora essa!
Daí a estranheza quando todos ouvimos mentes avisadas falar de soluções concretas, de ideias concretas e de honestidade em lugar da hipocrisia. Porque é disso que se trata, de hipocrisia, declarada ou encapotada, mas de hipocrisia empedernida, que grassa há séculos, que corrompe e afoga as almas esclarecidas num mar de imundície e podridão social.
Senão, vejamos um exemplo lindo: numa altura em que se discute a validade da opção de adopção de menores por casais homossexuais, o principal argumento dos detractores de tal princípio reside no facto de tal família ser uma família disfuncional, com duas mães ou dois pais, como se todas as disfunções daí surgissem.
Tendo em conta que a maioria dos pedófilos, violadores e cia vêm de boas famílias (pai do sexo masculino + mãe do sexo feminino), a realidade dá evidências de um cenário bem diferente.
Assim, as prisões enchem-se com exemplos enternecedores do que faz a falta de amor, de acompanhamento parental,... por parte de um pai e de uma mãe presentes (apenas consideramos neste ponto as ditas famílias 'tradicionais'...).
Não seria apenas de considerar o que os candidatos a pais têm para dar a uma criança em termos de amor, estabilidade e alicerces educacionais e deixarmos a avaliação das suas apetências sexuais (hetero, bi ou homossexualidade) de lado?
5) Assumir as diferenças é algo fundamental para vivermos em paz. Saber aceitar as diferenças deveria ser algo basilar na condição humana, porque a diversidade apenas acrescenta qualidade à raça humana. E saber respeitar quem opta por algo diferente deveria ser um princípio fundamental da vida em sociedade.
É dessa diversidade e dessa capacidade de compreensão que surge a evolução, sendo contudo essencial respeitar valores básicos, como a protecção que todas as crianças devem ter ou o absoluto e imperioso poder decisório sobre os aspectos pessoais da vida que cada ser humano possui (ou deveria possuir...).
Por isso dizemos sem pudores e sem alarido que assumimos a diferença como algo essencial ao nosso equilíbrio. Não pretendemos converter ninguém e muito menos arrogar a nossa verdade como suprema. Mas temos as nossas ideias e princípios, pensamentos e formas de agir que nos tornam únicos. Defendemos uma sociedade sem palas nos olhos e sem falsos pudores e escrúpulos, que tenha a coragem de atacar as questões e não apenas as pessoas.
Pouco se consegue hostilizando e muito se consegue dialogando. Mas também faz muita falta uma genuína vontade de mudança, de renovação e de abertura para que todos possam contribuir de forma positiva para um mundo melhor.
E atenção!
Não significa isto que se passe a aceitar tudo... significa tão somente que todos os avanços no sentido de um mundo melhor e mais equilibrado serão sempre recebidos de braços abertos. Por isso... façam qualquer coisa, por pequena que seja. Será bem mais do que nada fazer e ir morrendo afogado no mar de inutilidade que ajudamos a produzir.
Até breve,
A & P
"Existem dois dias no ano em que não podemos fazer nada: o ontem e o amanhã."
GANDHI